As novas tecnologias trazem inúmeras oportunidades para a agregação de valor aos clientes e aumento de produtividade, mas sem o enfoque adequado podem desperdiçar grandes investimentos, com poucos resultados.
A maior disponibilidade de novas tecnologias e seu menor custo vêm gerando um grande movimento em busca da indústria 4.0, ou manufatura avançada. Para que as enormes oportunidades que surgem sejam plenamente aproveitadas, esse esforço deve ser entendido num contexto mais amplo, da jornada lean da empresa.
O sistema lean é uma filosofia de gestão, cujo objetivo é maximizar a agregação de valor para os clientes, eliminar os desperdícios e aproveitar plenamente as capacidades das pessoas. Ela faz isso adotando uma visão "crítica" sobre o trabalho. É com esse prisma que a gestão lean vê o uso da tecnologia. Sob essa ótica, destaco alguns aspectos fundamentais para uma verdadeira transformação lean-digital.
Propósito claro
O primeiro cuidado que devemos tomar é termos muito claro o propósito. E aí cabem perguntas do tipo: qual problema essa tecnologia vai resolver? Ela ataca o que é prioritário para que a empresa seja mais competitiva? Ela elimina efetivamente os principais desperdícios? Promove concretamente melhor agregação de valor naquilo que é mais importante para o cliente? Existem formas mais simples e baratas para atingir os objetivos?
Sem essas questões bem respondidas, não vale a pena sair buscando soluções para um problema que não está claro.
Visão do fluxo de valor
A filosofia lean já demonstrou há muito tempo o risco de otimizações pontuais sem a visão do fluxo de valor como um todo. O mapeamento de fluxo de valor serve para isso, mostrando para um fluxo completo onde estão os desperdícios e os desbalanceamentos. Essa análise pode ser feita dentro de uma empresa ou em toda a cadeia de fornecimento, integrando informação, produção e logística.
Dessa forma, são identificados os pontos que efetivamente precisam ser melhorados e controlados, direcionando as intervenções onde vão trazer os maiores resultados, gerando um verdadeiro roadmap que deve guiar a transformação digital.
Flexibilidade puxada pelas necessidades dos clientes
Um objetivo sempre enfatizado nas iniciativas da indústria 4.0 é o da flexibilidade. Essa é uma marca registrada da filosofia lean através de células de produção por famílias de produtos, setup rápidos, capacitação da mão de obra com o trabalho padronizado para multifuncionalidade, programação puxada através de kanban etc.
O aporte de tecnologias em um ambiente com esses elementos sem dúvida pode levar a flexibilidade a novos patamares. Mas num ambiente sem essas premissas lean, a aplicação de tecnologias pode no máximo levar a um "sistema empurrado melhorado", com a falsa sensação de flexibilidade pelo uso de diferentes recursos em um fluxo de valor confuso.
Não automatizar desperdício
Esse é um grande risco em qualquer aporte de tecnologia, que infelizmente é frequente. Através das análises com os princípios e ferramentas lean, muitas vezes são identificados etapas ou processos inteiros que podem ser totalmente reformulados.
Algumas empresas que estão iniciando sua transformação para a manufatura digital relatam que a lição de casa anterior, eliminando desperdícios, tem sido fundamental para evitar sofisticar o que precisa ser eliminado.
Aprender com ciclos rápidos
Todos estão ainda aprendendo com as possibilidades das novas tecnologias. Um princípio lean que também cabe aqui é o de planejar ciclos rápidos de aprendizados, realizando sucessivos PDCAs. Por exemplo, é difícil pular para os graus de maturidade mais elevados da manufatura avançada, como sistemas de produção autônomos, sem antes aprender com o monitoramento.
Cada etapa pode ser aplicada através de pilotos, nos quais o mais importante é o aprendizado. Por exemplo, de nada adianta gerar dados detalhados sobre o status e desempenho dos equipamentos se as equipes não estão acostumadas a corrigir desvios através de rotinas de solução imediata de problemas e de análise de causas.
Investimento do tamanho certo
Quando uma oportunidade de investimento se abre, a tendência é de pecar pelo excesso. É a síndrome do "já que...". No conceito lean, todo investimento deve ser modular, de acordo com as necessidades, escalável, de forma a poder ser adicionado conforme a demanda efetivamente evolua. Deve ser sempre o mais simples e barato possível que resolva o problema, nem mais nem menos. "Over investment" também é desperdício.
Por exemplo, se mudanças em pontos específicos atendem às necessidades identificadas, não há necessidade de se mudar uma linha toda. Se o retrofit de um equipamento existente atende o que se objetiva no momento, não há porque substituir as máquinas por outras totalmente novas.
Estes são apenas alguns aspectos que podem ser úteis na discussão de cada empresa ao planejar suas iniciativas de manufatura avançada. Não podemos esquecer que tecnologia de ponta exige gestão igualmente desenvolvida, e o aprofundamento dos conceitos lean é mais do que nunca necessário, para que as iniciativas tenham sucesso.
(Artigo publicado na Revista Máquinas e Equipamentos, da ABIMAQ, Mar/Abr 2018, Edição 07, Ano 02, pgs. 70-71)