Se enxergarmos todas as atividades de uma empresa como parte de um fluxo e aplicarmos os conceitos lean para melhorar cada um deles, a adoção do lean ficará mais clara e efetiva, trazendo resultados superiores.
Todos que começam a ter contato com a filosofia lean imediatamente percebem a importância que é dada ao conceito de fluxo. Uma das primeiras orientações para quem inicia, é: parta do entendimento do que é valor para o cliente, enxergue seus fluxos de valor, elimine os desperdícios e transforme-os em uma corrente contínua.
Isso está na essência do lean e é um dos elementos que salta aos olhos quando comparamos lean com a gestão tradicional. Está na base da transformação fazer com que o produto ou o serviço flua sem interrupção, no menor tempo possível, num ritmo compassado pela necessidade do cliente e com qualidade.
De fato, tudo que é feito numa empresa pode ser enxergado como um fluxo, usando a mesma ótica lean para melhorá-lo. Se fizermos isso, será mais fácil para todos os envolvidos entender a filosofia lean e sua aplicação prática, de forma a maximizar a entrega de valor aos clientes.
Vamos a alguns exemplos sobre como essa visão pode ser ampliada, enxergando alguns fluxos importantes que existem em todas as empresas, mas que nem sempre são tratados como tal. Já adianto que são fluxos de diversas naturezas, como fluxos materiais, de informação, conceituais etc., e que se sobrepõem, uma vez que o funcionamento de uma companhia depende do complexo entrelaçamento de todos eles.
1. Fluxo de valor de produtos e serviços porta a porta
Esse é o fluxo mais evidente e em geral o primeiro (ou único) que a maioria das empresas enfoca. Chamamos "de porta a porta", pois se refere a tudo que ocorre dentro da empresa. Por exemplo, em se tratando de uma manufatura, pega-se uma família de produtos e se analisa todas atividades que agregam valor ou não, desde a matéria-prima até a expedição.
Quando a empresa é de serviços, isso é mais difícil, mas também é possível seguindo-se as etapas de um processo, que muitas vezes é de informação e envolve o cliente em diversos momentos.
2. Fluxo de valor em toda a cadeia de suprimentos
Esse é uma extensão do fluxo anterior. Pega desde os fornecedores até os clientes. Isso pode ser feito em diferentes amplitudes, considerando-se, por exemplo, os fornecedores dos fornecedores, fornecedores imediatos, fluxo porta a porta, distribuidores e clientes. É uma análise que enfoca tudo que ocorre dentro de cada um desses agentes e entre eles.
3. Fluxo logístico
Dentro dos fluxos anteriores está inserido o logístico. Tanto no porta a porta - logística interna de movimentação de materiais e atividades no almoxarifado de produtos acabados ou Centro de Distribuição - quanto em toda a cadeia, na logística inbound e outbound.
4. Fluxo de informação
Os fluxos anteriores não ocorrem sem o de informação, que recebe a demanda do cliente e a processa, do pedido à entrega. Sempre que analisamos os fluxos anteriores, o de informação é também caracterizado e representado, porém de uma forma macro. Um mergulho mais detalhado pode ser feito, por exemplo, usando um mapeamento de fluxo de valor adaptado para processos administrativos. Ele pode ser aplicado ao fluxo de entrada de pedidos, planejamento programação, controle da produção etc., evidenciando inúmeras melhorias possíveis.
5. Fluxo de desenvolvimento de produtos
Os fluxos anteriores se referem ao dia a dia da empresa, entregando os produtos e serviços existentes. Existe um outro que podemos chamar de "da necessidade ao lançamento", que vai da identificação de uma oportunidade, passando por todo o processo de desenvolvimento de novos produtos e processos, e vai até o lançamento. Nesse fluxo, o pensamento lean é fundamental para manter a empresa competitiva, por exemplo, através da redução do time to market e do melhor entendimento sobre o que o cliente deseja.
6. Fluxo de inovação
As empresas estão bastante atentas à importância de estarem permanentemente inovando. O desenvolvimento de novos produtos abrange uma parte importante disso, mas não é tudo. Hoje, companhias buscam inovar em todas as atividades e até mesmo em modelos de negócio, com participação ampla de funcionários, fornecedores e clientes. Esse fluxo também ganha muito quando aplicamos os conceitos lean, desde a geração da ideia, passando pela viabilização, pelo desenvolvimento e pela operacionalização até chegar ao uso pelo cliente e seu feedback.
7. Fluxo do ciclo de vida
Outra perspectiva que hoje recebe bastante atenção se refere aos aspectos de sustentabilidade ambiental. O conceito de fluxo pode também ser aplicado à análise do ciclo de vida dos produtos, "da natureza à natureza", ou seja, desde a matéria-prima do primeiro fornecedor da cadeia, passando por todas as etapas de produção, até sua entrega, uso, manutenção e reciclagem. O conceito lean também traz grandes contribuições na redução de insumos, resíduos, consumo de energia, água etc.
8. Fluxo de conexão com o cliente
Lean é primordialmente agregar mais valor aos clientes. A utilização de ferramentas lean, por exemplo, mapeando a jornada do consumidor, tem revelado verdadeiros calvários aos quais eles são submetidos, expondo inúmeras oportunidades de eliminar desperdícios e facilitar a vida das pessoas.
9. Fluxo de melhorias
Esse é um fluxo que diferencia uma empresa verdadeiramente lean. Um dos grandes objetivos da mentalidade enxuta é transformar todos na companhia em solucionadores de problemas, mas utilizando o método científico. Melhorias não ocorrem por acaso. É preciso existir uma corrente de treinamento, motivação, processos, implementações, reconhecimento etc.
10. Fluxo de desenvolvimento de pessoas
Nada do que foi discutido anteriormente ocorrerá se as pessoas não tiverem suas capacidades desenvolvidas para atuarem plenamente num sistema que é totalmente diferente da gestão tradicional. Cada pessoa deve ter um fluxo de seu desenvolvimento, estimulado principalmente pelo seu líder imediato, que deve atuar como um coach, no dia-a-dia, ajudando-o a solucionar problemas concretos.
11. Fluxo de propósito
As melhorias em todas as atividades não podem ser realizadas de maneira desconexa. Tudo tem de ter um propósito claro, alinhado através de um sistema lean de gestão que parte desde ohoshin kanri, desdobrando a estratégia, e vai até o gerenciamento diário, identificando e solucionando rapidamente na base qualquer desvio.
12. Fluxo de aprendizado organizacional
Tudo isso articulado deve ser capturado no fluxo de aprendizado organizacional. Lean tem na sua base o aprendizado, através de ciclos rápidos de PDCA, hansei (reflexões), padronização etc.
13. Fluxo de resultados
Todos estes fluxos convergem para os resultados da companhia, em todos os aspectos: satisfação dos clientes, aprendizado, financeiros etc. Se entendermos os resultados como as consequências das melhorias conseguidas em cada um dos fluxos anteriores, estaremos realmente enxergando uma empresa com olhos lean.
Como vimos, uma empresa pode ser vista como uma combinação de fluxos, de diferentes naturezas. Esses foram somente alguns exemplos. A lista com certeza não se esgota nos citados. Percebemos que alguns fogem dos tradicionalmente discutidos e trazem perspectivas que muitas vezes não estão sendo exploradas.
Ao identificarmos cada um desses fluxos, podemos explicitamente mapeá-los, gerenciá-los e melhorá-los. Imagine a força de aplicar todos os conceitos e ferramentas lean sistematicamente em tudo isso.
Faça um teste: pegue uma atividade que você esteja tentando melhorar. Fuja da tentação de fazer alguma melhoria pontual, desconectada do todo. Tente entender de qual fluxo ela faz parte. Reúna todos os envolvidos e discuta com eles qual é o valor entregue, qual é a sequência das etapas, onde estão os desperdícios etc., desenhando um estado futuro. Depois, gerencie diariamente, expondo e resolvendo os problemas desse fluxo. Exercite essa visão de fluxos aplicada a tudo. Tenho certeza que os resultados aparecerão de maneira mais rápida, significativa e sustentada, num fluxo contínuo.